Filosofia/Reflexão
Ainda que incompreendido por alguns Nietzsche
não poupava palavras contra o sistema político e religioso por manipular seus
seguidores, que escravizava o povo em nome da religião e ainda por cima exercia
o poder absoluto sobre os mais fracos e ignorantes por falta de conhecimento do
que realmente a religião poderia oferecer.
Nietzsche
O filósofo tal como nós o entendemos, nós, espíritos livres – como o homem da
responsabilidade mais ampla, que se preocupa com a evolução total do homem:
esse filósofo se utilizará das religiões para a sua obra de educação e cultivo,
do mesmo modo que se utilizará das condições políticas e econômicas do momento.
A influência cultivadora, seletiva, isto é, tanto destrutiva quanto criadora e
modeladora, que se pode exercer com ajuda das religiões, é sempre múltipla e
diversa, conforme o tipo de homens colocados sob seu domínio e proteção. Para
os fortes, independentes, preparados e predestinados ao comando, nos quais se
encarnam a razão e a arte de uma raça dominante, a religião é mais um meio de
vencer resistências e dominar: é um lasco que une dominadores e súditos, e que
denuncia e entrega àqueles a consciência destes, o que neles é mais íntimo e
oculto, que bem gostaria de se subtrair à obediência; e se algumas naturezas de
origem nobre se inclinarem, por uma elevada espiritualidade, a uma vida mais
afastada e contemplativa, guardando para si apenas a mais refinada espécie de
domínio (sobre discípulos eleitos ou irmãos de ordem), a religião pode ser usada
inclusive como meio de obter paz frente ao barulho e á fadiga de modos mais grosseiros de governo, e limpeza frente
á necessária sujeira de toda política. Assim
fizeram os brâmanes, por exemplo: através de uma organização religiosa atribuíram-se
o poder de nomear reis para o povo, mantendo-se e sentindo-se fora e á margem, como
indivíduos de tarefas superiores e supra-reais. Entretanto a religião também
fornece, a uma parte de dominados, orientação e oportunidade de prepara-se para
dominar e comandar algum dia: àquelas classes e camadas que sobem lentamente,
nas quais não param de crescer, mediante felizes costumes matrimoniais, a força
e o prazer da vontade, a vontade de autodomínio – a elas a religião oferece
estímulos e tentações suficientes para percorrer o caminho da espiritualidade
superior, para colocar á prova os sentimentos da grande superação de si mesmo,
do silêncio e da solidão – ascetismo e puritanismo são meios de educação e
enobrecimento quase indispensáveis quando uma raça pretende triunfar de sua
origem plebéia e ascender ao domínio futuro. Aos homens ordinários, enfim, o
grande número que existe para o serviço e para utilidade geral, e que apenas
assim tem direito de existir, a esses
a religião proporciona uma inestimável satisfação com seu estado e seu modo de
ser, uma reiterada paz do coração, um enobrecimento da obediência, mais alegria
e mais dor em comum com seus iguais, e alguma transfiguração e embelezamento,
alguma justificação de toda cotidianidade, de toda a baixeza, toda a pobreza
semi-animal da sua alma. A religião e a significação religiosa da vida lançam
um raio de sol a essas criaturas atormentadas e lhes tornam suportável inclusive
a própria visão, tem o efeito que uma filosofia epicurista costuma ter em
sofredores de uma categoria mais elevada, aliviando, refinando, como que se aproveitando do sofrimento, chegando
inclusive a santificá-lo e justificá-lo. Talvez não haja, no cristianismo e no
budismo, nada tão digno de respeito como a sua arte de ensinar mesmo os mais
humildes a se colocar, pela devoção, numa ilusória ordem superior de coisas,
mantendo assim o contentamento com a ordem real, no interior da qual vivem tão
duramente – dureza essa que é tão necessária.
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